por Gabriela Scotto
Pandemias como as que estamos vivendo amplificam e expõem, de forma brutal, aspectos da sociedade que em tempos "normais" costumam ficar invisibilizados ou silenciados. Ao ler os jornais ou assistir o noticiário na TV temos a impressão de que aspectos da nossa sociedade como a profunda desigualdade social, a importância da saúde pública, a violência do Estado, a violência doméstica, o racismo, dentre outros, tivessem sido descobertos como temas fundamentais, com a pandemia. É o que chamo de efeitos amplificadores das pandemias. Um desses aspectos expostos que gostaria de mencionar aqui é a do visível etnocentrismo embutido na ideia do "vírus chinês".
Em 1952, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss escreveu Raça e História a pedido da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como contribuição ao programa de luta contra o racismo. No seu texto, ele carateriza o etnocentrismo como a atitude que consiste em "repudiar pura e simplesmente as formas culturais, morais, religiosas, sociais e estéticas mais afastadas daquelas com que nos identificamos." E acrescenta, de forma taxativa, que as atitudes etnocêntricas podem ser identificadas como "um sem número de reações grosseiras que traduzem este mesmo calafrio, esta mesma repulsa, em presença de maneiras de viver, de crer ou de pensar que nos são estranhas." (LÉVI-STRAUSS, 1952).
Quando se espalham pelas redes sociais vídeos que mostram chineses comendo morcegos, ou afirmações - respaldadas por governantes - de que o vírus seria parte de um "programa secreto de armas biológicas" da China, estamos perante atitudes que Lévi-Strauss não duvidaria de chamar de etnocêntricas. Atitudes "grosseiras" e violentas como a que sofreu uma estudante de direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) descendente de japoneses que circulava na linha 1 do metrô, no Rio de Janeiro, ao ser xingada de "chinesa porca" por uma mulher; ou ainda, as do ministro de Educação, Abraham Weintraub, quando satiriza a maneira como os chineses falam e insinua publicamente que o país asiático usa o coronavírus para dominar o mundo, são fortemente etnocêntricas e, como diria o antropólogo francês, "bárbaras".
Se em muitos casos, o etnocentrismo está baseado na má fé, na violência e na estupidez, em muitos outros, ele é resultados do desconhecimento sobre os que são diferentes a nós, no caso em questão, os chineses. Nesse sentido. acredito que uma das formas de combater as atitudes e crenças etnocêntricas é procurar conhecer e entender aqueles que são diferentes e que, conforme os nossos padrões culturais, parecem "exóticos" e "incivilizados". A seguir compartilho algumas referências de leituras que buscam ajudar a conhecer e compreender a China e os chineses. Se o COVID-19 está difícil de ser combatido e erradicado que, ao menos sejamos capazes de combater "o vírus chinês".
Olhares antropológicos sobre a China
- HAN, Byung-Chul. Shanzhai. El arte de la falsificación y la descontrucción en China. Buenos Aires: Caja Negra, 2016
- SAID, Edward W. Orientalismo. O oriente como invenção de ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
Sites com informações, notícias e análises sobre a China atual
O interesse sobre a China está crescendo em toda parte. No entanto, fora da China, a maioria das notícias e análises disponíveis ainda é produzida pela grande mídia do Norte Global. O Coletivo Dong Feng - formado por pesquisadores de vários países - produz um resumo semanal de notícias da China (de fontes locais em chinês e inglês), a fim de possibilitar o acesso às perspectivas chinesas. Como referência, também se incluem uma pequena seleção de artigos da mídia ocidental. O resumo é publicado todo sábado em espanhol, português e inglês.
- SANTORO, Maurício - Diálogo Chino: Sobre China, América Latina e o meio ambiente
Diálogo Chino é um site de jornalismo independente dedicado a destrinchar as relações China-América Latina e seus desafios para o desenvolvimento sustentável.
O Extramuros propõe-se olhar a China além da China, além das fronteiras físicas, mentais, pessoais, das muralhas do nosso conhecimento. Este é um laboratório escrito e visual que se propõe a dar voz a quem quer contornar obstáculos, sejam eles a língua, a cultura ou a dimensão de um espaço aparentemente inalcançável. O Extramuros é um projeto da Casa de Portugal em Macau.
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Viajantes e encontros culturais:
- FREYRE, Gilberto. China tropical e outros escritos sobre a influência do Oriente na cultura luso-brasileira. São Paulo: Global, 2011
- HENFIL. Henfil na China (antes da Coca Cola), Editora Codecri, 1980
- MARCO POLO. Livro das Maravilhas. (século XIII)
Como citar este texto:
SCOTTO, Gabriela. "O "vírus chinês". Etnocentrismo em tempos de pandemia". Blog Outros Olhares, Rio de Janeiro, 11 de junho de 2020. Disponível em: <https://outrosolharessobre.blogspot.com/2020/06/o-virus-chines-etnocentrismo-em-tempos.html>