29 de abr. de 2010

Sudão: Um país afogado em petróleo

Um país afogado em petróleo 
por Fábio Zanini - publicado em 28/4/10 no seu Blog Pé na África

JUBA (SUDÃO) – Qual a relação entre a cotação do barril de petróleo tipo Brent na Bolsa de Londres e a comida servida num hospital em Juba, provável futura capital do país a ser formado a partir da independência de dez Estados do sul do Sudão?

É surreal, mas a relação é direta.

Nada menos que 98% do orçamento dessa região vêm da receita do petróleo. Estou para encontrar lugar tão dependente de uma única commodity no mundo. Nem o Afeganistão depende tanto de sementes de papoula. Nem “banana republics” da América Central dependem tanto de banana.

Quando o petróleo flutua, o bolso do governo autônomo do sul do Sudão sente no ato. No ano passado, ele caiu, e cortes orçamentários foram ordenados imediatamente. No principal hospital de Juba, 30% do pessoal foi demitido. As refeições dos pacientes precisaram ser cortadas.

Este é um exemplo da fragilidade econômica do novo país, que deve se tornar independente no começo do ano que vem. O petróleo gera receita de impostos, mas não emprega quase ninguém. É uma atividade de uso pouco intensivo de mão de obra.

As jazidas ficam longe da capital, e a exploração é manejada sobretudo por chineses e por representantes do governo central do Sudão. O principal oleoduto segue rumo ao norte, o que faz supor que, mesmo independente, o sul não conseguirá cortar totalmente o cordão umbilical com o país ao qual hoje pertence.

O petróleo traz alguns benefícios, claro. Juba assiste a um boom da construção civil. Prédios para o futuro governo sobem rapidamente na cidade. Já há duas avenidas asfaltadas na cidade. Pode parecer pouco, mas até há pouco tempo a “capital” só tinha ruas de barro. Outras estão em processo de pavimentação. Mulheres e crianças quebram pedras sob o sol escaldante, que serão usadas no asfaltamento. Recebem quase nada, mas pelo menos é um emprego.

A infraestrutura para dar conforto aos expatriados também vai bem. Hotéis e restaurantes surgem a todo momento. Juba sofre um caso clássico de “síndrome do carro branco” (referência à cor dos 4 x 4 das agências humanitárias): preços proibitivos para os moradores locais, cobrados em dólar; produtos importados, sufocando produtores locais. Abaixo, um lote de ônibus chega a Juba pelo seu “porto” (um barranco cheio de carcaças enferrujadas).



O governo fala que é urgente a necessidade de diversificar a atividade econômica. Alguns traços disso lentamente aparecem. No ano passado, foi inaugurada uma fábrica de cerveja na periferia de Juba. Parece provocação contra o norte do país, em que vigora a lei islâmica, a sharia, que veda o consumo de álcool (o sul é cristão).

A marca produzida ali é “White Bull”, que espertamente bolou um slogan aproveitando o momento histórico por que passa o sul do Sudão: “celebrando paz e prosperidade”. Essa é uma foto da fábrica



Ian Elvey, diretor da unidade, uma subsidiária da sul-africana SAB Miller, afirma que não tem medo de instabilidade ou de uma nova guerra na região (entre 1983 e 2005, 2 milhões morreram no confronto entre o norte do Sudão árabe e o sul negro). “Estamos aqui porque acreditamos nesse país”, diz. O roqueiro Franz Zappa uma vez disse que um país, para ser reconhecido como tal, precisava no mínimo ter uma cerveja e uma linha aérea própria. Metade da exigência já foi cumprida em Juba.

E há outro setor em franca expansão, o da vigilância privada. A Veterans Security Services é uma das diversas empresas oferecendo proteção armada para pessoas e canteiros de obras. Como o próprio nome diz, é formada por veteranos do exército rebelde do sul do Sudão, que agora estão perigosamente ociosos e sem saber fazer nada além de matar. A empresa oferece treinamento de um mês para que os ex-rebeldes passem para uma atividade civil.

Este é seu cartaz, numa rua de Juba, dizendo que seus homens são “altamente treinados, disciplinados, profissionais e corteses”.



Mas a fábrica de cerveja emprega 283 sudaneses. A empresa de segurança, 350. O sul do Sudão tem 5 milhões de desempregados. Por aí, você tem a medida do desafio que o jovem país enfrentará.

21 de abr. de 2010

Amazônia leiloada sem critérios, destruição anunciada

"Um dia de tristeza, de direitos violados, de total descaso em mais um capítulo atropelado do processo de licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte. O leilão foi realizado." (Marcelo Salazar)

Queremos energia para alimentar indústrias eletrointensivas e empreiteiras tendo como resultado a destruição das florestas e seus povos? se pergunta Marcelo Salazar no seu artigo Amazônia leiloada sem critérios, destruição anunciada ou queremos energia para um desenvolvimento do País que concilie as demandas sociais e ambientais? Que caminhe para uma economia de baixo carbono, de valorização das diversidades? Se quisermos isso, o processo de licenciamento de Belo Monte está mostrando na prática que estamos indo no caminho oposto e não podemos esperar nada diferente de um novo ciclo de destruição da floresta amazônica e de seus povos. É isso que Belo Monte está anunciando e a sociedade deve estar consciente disso.

Leia na integra o artigo de Marcelo Salazar: Amazônia leiloada sem critérios, destruição anunciada. Clique aqui.

Saiba mais, acompanhe Noticias e Análises sobre Belo Monte na página do Instituto Socioambiental

17 de abr. de 2010

A boa noticia não durou muito: a inscrição para o leilão de Belo Monte foi liberada pelo presidente do TRF

USINA POLÊMICA

Dois consórcios vão disputar Belo Monte

Derrubada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região a liminar que impedia o leilão da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que dois consórcios disputarão a construção da usina.

O consórcio Norte Energia, formado por nove empresas, é liderado pela Chesf, subsidiária da Eletrobras. O consórcio Belo Monte Energia, com a construtora Andrade Gutierrez à frente, terá mais cinco empresas, entre as quais as estatais Eletrosul e Furnas, também do grupo Eletrobras, que somarão 49% de participação.

Os grupos depositaram garantias no valor de R$ 190 milhões, que corresponde a 1% do investimento total da usina estimado em R$ 19 bilhões. O leilão está programado para a próxima terça-feira.

Na quarta-feira passada, liminar da Justiça Federal do Pará suspendeu o leilão a pedido do Ministério Público. O impedimento foi derrubado ontem pelo presidente do TRF da 1ª Região, desembargador Jirair Aram Meguerian.

O magistrado analisou pedido encaminhado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e informou na decisão que não há “perigo iminente” para a comunidade indígena, uma vez que a licença prévia e a realização do leilão não implicam a construção imediata da usina no Rio Xingu.

15 de abr. de 2010

Uma boa noticia: Justiça suspende leilão e licença de Belo Monte

14/04/2010 - 20h17
Justiça suspende leilão e licença de Belo Monte
Do UOL Notícias

A Justiça Federal determinou hoje (14/04/10) a suspensão da licença prévia da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e o cancelamento do leilão, marcado para a próxima terça (20). A liminar foi concedida pelo juiz Antonio Carlos de Almeida Campelo em ação civil pública do Ministério Público Federal.

Segundo o juiz, há “perigo de dano irreparável” se comprovado que já há irregularidades na licitação, como alega o MPF. “Resta provado, de forma inequívoca, que o AHE Belo Monte explorará potencial de energia hidráulica em áreas ocupadas por indígenas que serão diretamente afetadas pela construção e desenvolvimento do projeto”, diz o juiz na decisão.

Além de suspender a licença prévia e cancelar o leilão, o juiz ordenou que o Ibama se abstenha de emitir nova licença, que a Aneel se abstenha de fazer novo edital e que sejam notificados o BNDES e as empresas Norberto Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Vale do Rio Doce, J Malucelli Seguradora, Fator Seguradora e a UBF Seguros.

A notificação, diz o juiz, é “para que tomem ciência de que, enquanto não for julgado o mérito da presente demanda, poderão responder por crime ambiental”. As empresas também ficam sujeitas à mesma multa arbitrada contra a Aneel e o Ibama em caso de descumprimento da decisão: R$ 1 milhão, a ser revertido para os povos indígenas afetados.

O MPF aguarda ainda julgamento de outro processo, da semana passada, em que questiona irregularidades ambientais na licença concedida a Belo Monte.

Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo, com 11,2 mil megawatts de potência instalada, com garantia física de 4.571 megawatts médios. O projeto enfrentou por décadas resistência de populações indígenas e de ambientalistas, que condenam o empreendimento. A usina entrará em operação em 2015 (1ª fase) e 2019 (2ª fase).


Veja a seguir as cenas gravadas, pela Greenpeace, na Aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto/Jarina, entre os dias 28 de outubro e 4 de novembro de 2009. Nesse período, os ministros do Meio Ambiente e Minas e Energia foram convidados a ir ao Xingu para discutir os impactos da obra na região.

9 de abr. de 2010

Sobre lixões, desigualdades sociais, injustiça ambiental e enchentes

A seguir recomendo 3 filmes de épocas e lugares diferentes, mas todos eles muito bons e esclarecedores da profunda (e estrutural) relação existente entre a desigualdade social, a injustiça e a vulnerabilidade de determinados grupos sociais perante as "catástrofes" climáticas e ambientais:


ESTAMIRA (dir. Marcos Prado)
BRASIL – 2006, 121 min

Estamira conta a história de uma mulher de 63 anos que sofre de distúrbios mentais e trabalha há mais de vinte anos no aterro sanitário do Jardim Gramacho, um local renegado pela sociedade, que recebe diariamente mais de oito mil toneladas de lixo produzido no Rio de Janeiro. Com um discurso eloqüente, filosófico e poético, a personagem central do documentário levanta de forma íntima questões de interesse global, como o destino do lixo produzido pelos habitantes de uma metrópole e os subterfúgios que a mente humana encontra para superar uma realidade insuportável de ser vivida.





ILHA DAS FLORES (dir. Jorge Furtado)
BRASIL - 1989, 13 min

Um ácido retrato da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho.  O destino final do tomate é num lixão perto da cidade de Porto Alegre, onde moram pessoas muito pobres que catam alimentos no lixão. 





LOS INUNDADOS (dir. Fernando Birri)
ARGENTINA - 1962, 30min

"Inundados" em português significa "alagados".  O filme é um clássico do cinema argentino que narra a história de uma família de poucos recursos, moradores do sul da provincia de Santa Fé que numa enchente é forçada a se mudar a um vagão de trem abandonado até que a águas do rio Salado baixem novamente.

2 de abr. de 2010

O maior trem do mundo, de Carlos Drummond de Andrade

O maior trem do mundo 
Carlos Drummond de Andrade 
(nascido em Itabira, MG - 1902-1987)


O maior trem do mundo

Leva minha terra

Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá

Leva minha terra

Para o Japão


O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas

Leva meu tempo, minha infância, minha vida

Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo

Transporta a coisa mínima do mundo

Meu coração itabirano


Lá vai o trem maior do mundo

Vai serpenteando, vai sumindo

E um dia, eu sei não voltará

Pois nem terra nem coração existem mais.


(Publicado em 1984 – Jornal “O Cometa Itabirano”) 

Extraído do Blog Relicário Minado
http://relicariominado.blogspot.com/2010/04/o-maior-trem-do-mundo.html

Itabira é um município brasileiro do estado de Minas Gerais. Localiza-se a 104 quilômetros da capital do estado. Possui área de 1.256,496 km². A cidade é carinhosamente apelidada por seus habitantes de cidade da poesia. É conhecida também por cidade do ferro, já que a cidade foi palco da criação da Companhia Vale do Rio Doce em 1942. (Fonte: Wikipédia: Itabira)

Outros olhares...

Porque a realidade costuma ser opaca... e, não poucas vezes, nossos olhares escorregam na sua superfície